Moradores de baixa renda na localidade do Açu, em São João da Barra, estão sendo impedidos de terem acesso a serviços essenciais, como água e luz, por residirem na zona de amortecimento do Parque Estadual da Lagoa do Açu (PELAG). Para tentar solucionar o problema, foi realizada uma audiência pública na manhã desta terça-feira (19), na Câmara Municipal, promovida pela Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Após quase três horas de discussão, ficou definida a formação de um grupo de trabalho, com a participação de todos os envolvidos, para fazer reuniões periódicas a fim de dar celeridade aos trâmites burocráticos e solucionar a questão.
A audiência contou com a presença do deputado Gustavo Schmidt, presidente da comissão estadual; dos representantes da Enel, Rafael Ferreira e Andréia Andrade; da representante do Inea, Débora Rocha; do gerente da Gerência das Unidades de Conservação, Andrei Veiga; do biólogo Carlos Bruno Moreira de Lemos (que representou o gestor do PELAG, Lúcio Heron P. da Costa); da defensora pública Nayara Lopes; do reitor da Uenf, Raul Palacio, do representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Marcelo Paixão, além do vereador Analiel Vianna, presidente da Comissão Permanente de Defesa de Ecologia e Meio Ambiente da Câmara e dos demais parlamentares da Casa.
- Tenho certeza de que este será o pontapé inicial para solucionar esse problema, pois a população se vê diante de um impasse, um verdadeiro jogo de empurra e nada é resolvido – observou Analiel, que solicitou a audiência.
Entre as mais prejudicadas estão as 150 famílias que vivem no local conhecido como a Rua do Ex-prefeito Neco. Segundo o morador, Jonathan Ribeiro da Silva, 31 anos, os moradores são herdeiros das terras em que vivem, mas ainda não obtiveram da Prefeitura, a regularização. “Tem família morando ali desde 2004, ou seja, muito antes da criação do parque”, disse Jonathan, que reside no Açu. Diante do impasse, os moradores se veem “obrigados” a fazer ligações clandestinas, de modo precário, com riscos de acidentes. No local, as famílias convivem com postes de madeira, fios desencapados e soltos no chão. “Hoje faz 404 dias que um cavalo morreu eletrocutado lá. Tem que resolver logo isso”, desabafou.
Proprietários rurais também passam transtornos. É o caso de Miguel Archanjo Siqueira, 74 anos, que comprou uma propriedade rural em 1986. “Pago meus impostos em dia, minha propriedade está toda legalizada, mas estou impedido de fazer qualquer coisa lá. É uma covardia muito grande com a população rural”, contestou, lembrando que paga R$ 8 mil de IPTU.
Com uma área de 8.276,67 hectares, o PELAG foi criado em 2012 e é formado por extensa vegetação de restinga e áreas úmidas remanescentes, abrangendo os municípios de Campos e São João da Barra. No entanto, o parque ainda não possui Plano de Manejo – o que foi bastante criticado pelos parlamentares, haja vista que o mesmo deveria estar pronto desde 2017. Segundo Andrei Veiga, trata-se de um estudo caro (avaliado em R$ 1,5 milhão) e bastante complexo de ser feito. “Mas a gente se compromete a estar fazendo um aporte com um recurso que vai entrar agora, para resolver isso logo, pois essa é uma prioridade do Inea”, disse Andrei.
Ele também deixou claro que a zona de amortecimento não é o parque, mas uma área no entorno da unidade, criada para amortecer os impactos que podem afetar o PELAG. “Pode haver comunidade dentro da zona, mas precisa haver um estudo técnico. Não quer dizer que a comunidade será retirada dali. Zona e parque têm regras diferentes”, explicou.
Enel - Os representantes da Enel informaram que a empresa tem interesse em regularizar, mas precisa obedecer a vários critérios de autorizações, o que torna o processo complexo. Rafael Ferreira, lembrou, inclusive, que, por ser uma concessionária, a Enel precisa seguir legislações. Para atender um pedido de extensão, por exemplo, em uma área de amortecimento, o morador precisa apresentar uma certidão de regularidade ambiental do imóvel.
O reitor da Uenf colocou a universidade à disposição para ajudar. “Temos que proteger a reserva ambiental, mas não podemos esquecer a população ali presente”, observou Raul. A Secretaria de Meio Ambiente – que este ano foi autorizada pelo Inea para fazer licenciamentos – já iniciou um trabalho de auxiliar os moradores a reunir a documentação necessária para providenciar as etapas dos processos de licenciamento.
- Faremos o máximo que pudermos enquanto parlamento estadual para solucionar o quanto antes esse problema – disse o deputado Gustavo Schmidt, apontando caminhos que podem ajudar a sanar o que ele chamou de "imbróglio jurídico". Um deles é a realização de uma força-tarefa do Inea e da Prefeitura para identificar, individualmente, a demanda dos pedidos de abastecimento de água e energia dos moradores localizados na zona de amortecimento e, em caso de impedimento legal, para essa autorização por parte do lnea, que seja criado um grupo de trabalho para realinhar o perímetro da zona de amortecimento do Parque, excluindo dos seus limites essa área urbana consolidada.
Para o presidente da Câmara, Elisio Rodrigues, o debate foi muito produtivo. “Tenho certeza de que daqui vai sair um resultado positivo para facilitar a vida dos munícipes do 5º Distrito. E quero pedir à Secretaria de Meio Ambiente para liberar logo a documentação necessária para que a Enel possa fazer o seu trabalho; pedir também que dê apoio jurídico à população carente para, a partir daí, cobrarmos dos outros órgãos”, concluiu.